Se o mundo fosse mapeado de acordo com quantos trabalhos de
investigação científica cada país produz, assumiria uma aparência
bizarra e irregular. O norte se ampliaria, enquanto o hemisfério sul
praticamente desapareceria.
O que impulsiona essa desigualdade?
Dinheiro e tecnologia são fatores que influenciam quanto se trata de
produzir pesquisas. A média de pesquisa e desenvolvimento – isto é, como
uma porcentagem do PIB – foi de 2,4% para os países da OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, composta
majoritariamente de nações do hemisfério norte, mas da qual o Chile é
membro) em 2009. Em comparação, poucos países em desenvolvimento
atingiram 1%.
Sem fundos nacionais suficientes, os pesquisadores gastam uma enorme
quantidade de tempo tentando captar recursos e lidar com organizações
fora de suas universidades. Isso significa menos tempo para realmente
realizar e produzir pesquisas.
Grande exemplo disso é o da neurocientista
Suzana Herculano-Houzel.
Primeira brasileira a dar uma palestra na Conferência TEDGlobal, ela
tem pesquisa publicada na “Science”, uma das principais revistas
científicas do mundo, mas corre o risco de ter que parar seus trabalhos
no laboratório que chefia no Rio de Janeiro, por falta de recursos.
Quanto a tecnologia, é um problema principalmente na África. Lá, a
internet é muito mais lenta e cara, tornando a colaboração entre
pesquisadores do continente difícil, enquanto é muito mais simples para
cientistas nos EUA, Europa e Ásia.
Muito além do tutu
Valores e práticas também contribuem para os desequilíbrios globais
em produção científica. Mencionamos a “Science” ali em cima, não é? Pois
essa e outras revistas científicas que preenchem o mapa-múndi bizarro
não são neutras: o envolvimento com elas é caracterizado por vários
níveis de participação desigual.
Um estudo com quatro revistas de alto impacto mostrou que elas
atraíam autores de vários países do mundo, mas seus locais empíricos de
investigação eram significativamente localizados na Europa e na América
do Norte. Isto sugere que pesquisadores locais usam seus escassos
recursos financeiros e técnicos para serem publicados em revistas
supostamente internacionais. Além disso, bons cientistas do hemisfério
sul estão fazendo pesquisa no norte, longe de suas casas.
Tendo em conta os ambientes de investigação limitados em que os
pesquisadores estão inseridos, os recursos de todo o mundo podem ser
usados para subsidiar a investigação do norte. Ao mesmo tempo,
investigadores do norte que fazem pesquisa em países em desenvolvimento
acabam publicando seus resultados nas mesmas revistas, localizadas no
lado de cima do globo.
Pesquisa invisível
Há outro problema com este mapa: ele só conta como ciência artigos
que são resultado da publicação em revistas científicas, ignorando
coisas como monografias e relatórios técnicos e políticos, por exemplo.
Além disso, exclui as ciências sociais e outros gêneros da área de
humanidades.
Outra categoria de “investigação invisível” do sul é a encomendada
pelo governo e realizada por consultores, muitos dos quais são do meio
acadêmico. Mesmo quando é publicado, esse tipo de pesquisa muitas vezes
não é atribuído aos seus verdadeiros autores.
O acesso é outra questão. As revistas cobiçadas geralmente são caras,
e pesquisadores em ambientes com recursos limitados não podem se dar a
esse luxo. A situação deve melhorar graças às políticas de acesso aberto
sendo atualmente desenvolvidas na União Europeia, no Reino Unido e em
outros lugares.
No entanto, se o mundo em desenvolvimento não criar políticas
nacionais e regionais similares, a pesquisa nesse canto do planeta
ficará ainda mais invisível. Isso pode involuntariamente consolidar a
impressão errônea de que esses estudiosos não estão produzindo nada ou
têm pouco a contribuir para o conhecimento global.
[Reportagem sobre publicações - io9, Reportagem com a neurocientista Suzana -
OGlobo]